Crescimento no Brasil não pode passar por cima de direitos, diz ONU
Por Leonardo SakamotoGenebra - Conversei na manhã de hoje com a armênia Gulnara Shahinian, relatora especial da Organização das Nações Unidas para as Formas Contemporâneas de Escravidão, que passou duas semanas no Brasil a fim de produzir um relatório que será apresentado na tarde desta terça (14) na reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Disse que verificou um verdadeiro reconhecimento do problema pelo governo brasileiro e o comprometimento de setores sociais, políticos e econômicos com sua erradicação. Segundo ela, “o país está fazendo e aprendendo com isso. Mas há muito que fazer ainda”.
Para a relatora, o peso das questões econômicas deve ser considerado, mas o debate sobre desenvolvimento e crescimento precisa levar em conta os impactos causados por eles. Avalia que o Brasil pode se tornar a quinta maior economia do mundo, mas isso não pode ser feito à custa dos direitos das pessoas.
Para Gulnara, há mais “inspiração” para o combate ao trabalho escravo no nível federal de governo do que no nível local. Segundo ela, o país é imenso e se faz necessário que os mesmos processos que levaram a conquistas no nível federal cheguem ao âmbito estadual com a introdução de políticas públicas. Por exemplo, deveria ser obrigatório que todos os estados tivessem planos para combater a escravidão e os executassem – hoje, Maranhão, Piauí, Tocantins, Pará, Mato Grosso e Bahia possuem planos, além do Plano Nacional, mas nem todos cumprem o que prometeram.
Ela afirma, em suas conclusões, que “as ações exemplares correm o risco de serem ofuscadas se ações urgentes não forem tomadas para quebrar o ciclo de impunidade de que gozam proprietários de terra, empresas nacionais e internacionais, e intermediários (como os contratadores de mão-de-obra, conhecidos como “gatos”) que se beneficiam do trabalho escravo”.
Um exemplo disso é uma atuação mais forte junto a aprovação de leis, fator necessário para institucionalizar esses processos. Para Gulnara, a mensagem mais clara que o governo brasileiro pode dar para mostrar que o crime será punido é aprovar a Proposta de Emenda Constitucional 438/2001, que permitiria o confisco das terras onde houvesse trabalho escravo.
Destaco algumas das conclusões e recomendações da relatora:
- Pobreza é a principal causa da escravidão. Nesse sentido, mais atenção deve ser dada a erradicação da pobreza. Neste contexto, desenvolvimento local e reforma agrária devem ser priorizados. Programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, e reinserção de trabalhadores devem ser priorizados para essas populações em áreas urbanas e rurais;
- Programas que garantam direitos básicos, como alimentação, saneamento, saúde e educação, devem ser implementados para fornecer uma reabilitação sustentável das vítimas e sua integração na vida econômica. O governo brasileiro também deve aumentar os programas em educação em direitos humanos voltados a trabalhadores libertos ou em áreas vulneráveis;
- Aqueles que defendem os direitos humanos no Brasil têm sido ameaçados, feridos e mortos. Ela sugere o fortalecimento do corpo policial para garantir proteção a estas pessoas e combater a impunidade;
- Reformas legislativas são necessárias para prevenir a reincidência, como o aumento da pena mínina de dois para cinco anos de cadeia a quem incorreu nesse crime. A incorporação de algumas conquistas como lei também foi sugerida, a exemplo da “lista suja” do trabalho escravo (que relaciona quem cometeu esse crime) e a própria existência do grupo móvel de fiscalização (que verifica denúncias e liberta pessoas);
- Reforçar a competência da Justiça Federal para julgar o crime de trabalho escravo, previsto em decisão do Supremo Tribunal Federal de novembro de 2006. Para ela, o governo também deve atuar para trazer todas as graves violações aos direitos humanos para a esfera federal, seguindo as recomendações feitas pelo Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas;
- O governo precisa investir recursos para dar apoio às vítimas de tráfico de seres humanos, como a criação de abrigos e apoio legal. Também deve dar apoio financeiro para as vítimas recuperarem e reconstruírem suas vidas ;
- Ela ressalta que graças ao trabalho do governo, sociedade civil e setor empresarial, a escravidão não está presente em todos os setores econômicos no país. Ela encoraja empresas a aderirem ao Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, que reúne companhias que aceitaram atuar contra esse crime em suas cadeias produtivas,
- A relatora reconhece o importante papel desempenhado pela Organização Internacional do Trabalho nesse processo e sugere ao governo dividir o exemplo do sistema de combate ao trabalho escravo com outros países da America Latina.
Em tempo: fui convidado para representar a sociedade civil brasileira em um debate sobre o tema nesta quarta aqui nas Nações Unidas. Depois trago as impressoes.
FONTE: blogdosakamoto.uol.com.br
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