domingo, 8 de agosto de 2010

A invenção da vida: Festival Literário de Paraty

Ferreira Gullar

Gullar arrebatou a platéia. Foi um verdadeiro showman, com gestos largos, olhar faiscante e puro magnetismo. “A arte existe porque a vida só não basta”. “A poesia é a descoberta e a invenção da vida”. Frases como essas foram aplaudidas com entusiasmo enorme pela platéia. Gullar falou de sua carreira, auxiliado pelo mediador Samuel Titan Jr.E foi tirando do bolso uma anedota melhor do que a outra, sempre com alguma lição existencial embutida. Falou de suas experiências com o neoconcretismo, do início parnasiano, da forte militância política, e de pintura. Leu trecho de seu Poema Sujo, quando foi ovacionado, e também trechos do novo Em Alguma Parte Alguma. E falou, com seu jeito jovial, divertido, sobre a origem de tudo: “Como pode haver a explosão do Big Bang, se antes não havia nada? Nada não explode, ora.” Gullar também participou, duas horas antes, da bela leitura conjunta do livro Alguma Poesia de Drummond, que juntou ainda os poetas Eucanaã Ferraz, Chacal e Antonio Cícero.

Crumb distribui autógrafos

A origem da vida também é um assunto que cativou outro grande convidado da Flip, mas de maneira bem diferente, através da…Bíblia! Robert Crumb subiu ao palco com o amigo Gilbert Shelton e colocou a mão sobre os olhos, ao mesmo tempo fazendo graça e tentando entender o que aquela multidão estava fazendo ali. Falou então de seu Gênesis, de como pensou inicialmente em fazer uma sátira e como logo percebeu que as histórias eram tão estranhas que poderiam ser ilustradas literalmente. Curiosamente, disse que ao lançar o livro, foi mais atacado por seus antigos fãs do que pela direita religiosa. Meio tímido, Shelton falou pouco. Disse que fez ilustrações para jornais de esquerda, porque eram muito chatos. Crumb, por sua vez, parecia estar se divertindo, se jogava para trás na cadeira, espalhafatosamente, e deu um ou dois gritos. Sua mulher, Aline Kominky-Crumb juntou-se à conversa e entregou alguns segredos do casal. Como não podia deixar de ser, o assunto bundas veio à tona. Crumb, um fervoroso devoto dessa parte da anatomia, disse estar bem atento às brasileiras.

Terry Eagleton, em dois momentos

Na primeira mesa do dia, um dinâmico Eagleton acordou todo mundo com sua argumentação tão lógica quanto desconcertante. Como o esperado, criticou a posição de Richard Dawkins e Christopher Hitchens, os quais, para ele, não entendem o sentido das religiões. Ateu como seus adversários intelectuais, Eagleton acredita que o 11 de setembro colocou Deus de novo em evidência, e que é preciso saber separar os radicais dos religiosos comuns. Para ele, a forma como Dawkins e cia atacam o fundamentalismo islâmico é muito próxima da islamofobia. Irônico o tempo inteiro, chegou a dizer que o futebol é o ópio do povo (mas se retratou, rindo) e deu uma breve e curiosa aula de marxismo. Foi das mesas mais interessantes da Festa, deixando muita gente com o que pensar.

Iralndês como Eagleton, e com um livro também ligado ao mencionado 11 de setembro, Colum McCann conversou com o descendente de irlandeses William Kennedy. Amigos há algum tempo, discorreram sobre os pontos comuns de seus livros, que não raro contam histórias de personagens à margem da sociedade. Kennedy falou bastante do festejado Ironweed e da adaptação feita para o cinema juntamente com Hector Babenco, e McCann contou de suas pesquisas no submundo do Bronx, com protsitutas, viciados e policiais, para compor o amplo quadro de seu livro mais recente, Deixe o Grande Mundo Girar, merecidamente vencedor do National Book Award, nos EUA.. Ah, os belos desenhos são de Alexandre Benoit!

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